Há tempos a discussão a respeito da incidência do ICMS nas transferências assombra os contribuintes. Se enganam aqueles que creem em um cenário de tranquilidade desde a edição da Súmula 166 pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, oportunidade na qual assentou seu entendimento de que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
A inconformidade dos entes federativos com tal interpretação deu azo à uma larga escala de autuações em face dos contribuintes Brasil afora que buscavam tão somente o melhor posicionamento tributário, então lastreados por entendimento sumulado – situação esta que deveria deslindar as dúvidas que pairavam sobre o tema e imprimir a devida segurança jurídica aos contribuintes.
Pois então. Chegamos ao cerne da questão: infelizmente vivemos em uma realidade na qual a deturpação do interesse público é decisiva ao fragilizar a segurança jurídica de nosso sistema judiciário no âmbito tributário. Não raras vezes nos deparamos com embates entre entes públicos, como no caso em apreço, promulgação de legislações arbitrárias (especialmente na jurisdição estadual) e alteração nos entendimentos jurisprudenciais sem qualquer inovação fática.
Em breve parênteses, de modo a ilustrar o acima exposto, ouso emprestar a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello de que interesse público nada mais é do que a representação dos interesses dos indivíduos enquanto membros de uma coletividade, anseios estes representados por uma instituição comum: o Estado – ora entendido como o Poder Público. Ora, se deve haver relativização do interesse particular em detrimento do coletivo – muito bem colocado em nossa Carta Magna, por que a recíproca não é verdadeira quando falamos dos entes federados? Suas ações denotam claro protecionismo dos cofres públicos estaduais sem, no entanto, considerar os respectivos reflexos econômicos e sociais em seus cidadãos enquanto representantes, colaboradores, fornecedores e clientes das empresas afetadas.
De volta ao tópico, vemos que há praticamente 50 anos subsistem dúvidas interpretativas a respeito dos conceitos pressupostos pelo Constituinte. No que tange ao ICMS, em especial, divergentes são os entendimentos de renomados juristas em relação à abrangência dos termos “operações”, “circulação” e “mercadorias” que poderiam impactar no desfecho da Súmula 166, e é exatamente por isso que, ao meu ver, há roteiro orgânico no ordenamento jurídico para que os reflexos práticos de tais indefinições sejam levados a cabo nas instâncias superiores.
Nesta esteira de raciocínio, em mais um capítulo dessa longa e cansativa história, o Supremo Tribunal Federal – STF ratificou o entendimento já sumulado pelo STJ a respeito da não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Em decisão proferida após julgamento do Tribunal Pleno na ADC 49, a Corte foi unânime ao definir que os dispositivos analisados, os quais remontam à incidência do ICMS nas transferências “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, são declaradamente inconstitucionais. Já foi este o entendimento exarado em outras oportunidades, inclusive recentemente no ARE 1.255.885, quando além de reconhecida a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, também fora reafirmada a jurisprudência dominante sobre a matéria.
De tal sorte, o que deveria trazer alívio e segurança às empresas em virtude da recorrência do entendimento jurisprudencial, na realidade as tornam meras vítimas da teimosia dos Estados em travar novas batalhas em uma guerra a princípio perdida, que se estende desde 1996 e na qual vários foram os contribuintes abatidos ao longo do caminho.
Em um momento de fragilidade econômica no qual os reflexos de planejamentos tributários são em vários segmentos responsáveis pela perenidade dos negócios e sinônimos de igualdade competitiva, a certeza da autuação fiscal no âmbito administrativo para posterior discussão na seara judicial, seja em relação a este tema ou em tantos outros, afeta o planejamento das empresas, enfraquece o sentimento de resiliência do mercado e ajuda a frear a retomada da economia.
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